OS MESTRES RUSSOS - I

Meu primeiro contato com a escola russa de ballet foi pelas mãos do saudoso Walter Árias. Eu era aluna de Dona Tony Seitz Petzhold e frequentava a escola diariamente. Muitas vezes ficava espiando as aulas de Walter, achava tudo muito rápido, complicado e mal entendia aquele acento dele que misturava o espanhol com o português - era assustador. Walter dava as aulas e demonstrava os exercícios, insistia nas posições de corpo e cabeça (tão características da escola russa), usava acentos musicais interessantes e diferentes e tinha a didática de quem  provavelmente havia sido preparado para ser um bailarino e não um professor.

Mas para mim, ele era a prova viva de que  não era um delírio almejar ir para a União Soviética estudar dança, era possível sim. Ele já tinha tido esta experiência e contava histórias curiosas de sua estada em Leningrado.  Meu sonho então, era ir até a fonte,  mergulhar no ballet naquele país onde havia larga tradição, estudar em uma daquelas escolas que haviam formado nossos ídolos na época - Mikhail Baryshnikov, Natalia Makarova, Rudolf Nureyev.

O convívio com Walter quando me tornei sua pupila foi no início muito difícil, ele fazia parte daquela antiga escola de mestres que acham que os alunos devem passar por todo tipo de provação para merecer sua atenção - e eu passei! Conquistei meu espaço junto a ele porque tinha sede de conhecimento e sabia que ele, a sua maneira, queria nos transmitir tudo que sabia. Foram anos de muito aprendizado, primeiro fazendo aulas, depois participando do Ballet  Phoenix. Paralelamente, buscava caminhos para realizar meu sonho de viajar para União Soviética e enquanto meus colegas no Colégio Farroupilha se preocupavam com o vestibular, eu desejava terminar aquela etapa para ficar livre e realizar as únicas duas coisas que me interessavam na época, viajar e dançar.

Quando finalmente acabei o colégio, ansiava por novos desafios e aprimoramento técnico, afinal estava me preparando para ir para a fonte do ballet clássico. Com total incentivo e inestimável apoio de meus pais, me transferi para o Rio de Janeiro, onde sabia que pelo menos duas grandes maestras davam aulas de escola russa - Tatiana Leskova e Eugenia Feodorova. Acabei frequentando a escola de Dona Eugenia por dois anos e mesmo morando em pelo menos 6 diferentes endereços na Cidade Maravilhosa naquele período, todos os dias subia as escadas do estúdio na rua Santa Clara, coração de Copacabana.

Dona Eugenia era uma maestra espetacular, havia sido formada na Escola Coreográfica Estatal de Kiev, Ucrânia, que incrivelmente eu viria a conhecer muito bem, dali a algum tempo. Sua carreira de bailarina havia sido interrompida pela Segunda Guerra Mundial e depois de rodar pelo mundo e trabalhar em muitas diferentes companhias, havia chegado ao Brasil como convidada e decidido se estabelecer no Rio de Janeiro. Sua contribuição para a dança brasileira é enorme e me considero privilegiada com a  sorte daqueles que puderam receber seus ensinamentos. Suas aulas eram fortes, precisas, estruturadas nos moldes da escola russa mais pura. Ela, de estatura baixa e compacta, mostrava os exercícios com uma leveza e vivacidade cativantes. Sempre falava da necessidade do bailarino de fazer aulas diariamente e da dedicação que tal arte exige. Dona Eugenia exalava a força e vitalidade da alma russa, tinha um respeito enorme pela dança e frequentar suas aulas eram verdadeiros mergulhos na cultura russa.

Frequentei outras aulas na cidade (saudades do professor Flávio Sampaio!) e aproveitei minha estada para acompanhar a vida cultural da capital que oferecia uma infinidade de possibilidades. Assisti no Teatro Municipal do Rio de Janeiro espetáculos de dança que na época seria impossível ver em Porto Alegre: Paul Taylor Company, Twyla Tharp Dance, Nureyev com as étoiles do Ballet da Ópera de Paris (fã incondicional, consegui até um autógrafo dele...), Pilobolus, Momix, Ballet de Stuttgart com a obra Eugene Oneguim estrelada pela maravilhosa Marcia Haydée, Dance Theatre of Harlem, entre tantas outras apresentações memoráveis.

Havia sido apresentada, por várias mãos talentosas, à uma das mais importantes escolas de dança do mundo, o Método Vaganova. Havia tido minha primeira experiência vivendo longe de casa e da família.

Se aproximava o momento de iniciar uma nova aventura, desta vez no longínquo país ícone do ballet mundial, o sonho de todo bailarino clássico. Chegava a hora de ter minha própria experiência com a escola russa de ballet.

Tânia Baumann

 * foto: Ana Carolina Fernandes - Folha/imagem 

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